Por mais que você saiba os
caminhos, uma hora você se perde. A vida não tem GPS para que você possa se
achar ou saber se está no caminho certo. Você só vai. Entre tantas pessoas lhe
dizendo para sorrir e seguir, é difícil perceber quando o riso se torna desespero.
Às vezes, criamos uma barreira tão grande para nos proteger do mundo que
ficamos inacessíveis até para nós mesmos. Como faz para caminhar para dentro de
si novamente e trazer para superfície todos os sentimentos que escodemos lá no
fundo? Acho que se fizéssemos essa viagem, seria como um museu de sentimentos
que só poderíamos observar de longe, sem jamais tocar ou sentir novamente. Se
eu pudesse fazer essa viagem, eu me sentaria em um banquinho de frente para
mim, pediria um instante e choraria todo esse riso. Choraria até cansar, até
secar, até ficar leve. Depois seguiria minha viagem. Mas antes de seguir, eu
pediria para moça que organiza tudo isso aqui dentro - se é que tem alguém
fazendo esse serviço – que colocasse mais esse choro em exposição, para que por
aqui se possa ver que sentimentos são borboletas que precisam sair do casulo,
pois se ficarem presas, morrem antes mesmo de desabrochar e nada de bom
acontece depois disso.
Parece que meu coração me
preparava para o pior. Do nada eu me sentia triste, do nada eu me sentia feliz.
Eu não tinha motivos - embora tivesse todos os motivos do mundo - nem para
viver, nem para morrer, mas eu quis os dois ao mesmo tempo. Viver morrendo ou
morrer vivendo. Não importava. Viver um dia após o outro. Viver o dia como se
fosse o último. Viver o riso, viver a viagem, viver a conversa, viver o sexo, o
tesão, o beijo, a saudade, o amor, a dor. Eu quis viver tudo de novo e de velho
que houvesse para se viver. Eu desejei tanto viver e sentir, que agora que
estou aqui sentindo, eu queria que tudo parasse. Vinte e cinco anos depois de
ter nascido, eu ainda acho que nunca vou saber lidar com esse amontoado de
sentimentos que vivem em mim como se fosse um espaço público. Eu sigo com medo.
Por mais que eu repita para mim mesma incontáveis vezes que eu não o tenho, ele
vive aqui. Como se eu escondesse dentro de mim um fugitivo que nunca vai
embora, mesmo assim eu minto para todos que nunca o vi passar. Não sei porque
fica. Não sei porque se abriga. Não entendo porque esse medo de fazer a escolha
errada, como se eu tivesse uma. Como se a vida não nos arrastasse para onde ela
bem entendesse. Como se fosse escolha nossa estar onde estamos, sentir o que
sentimos, seguir como seguimos. A nós, só resta aceitar as coisas como são, pois,
bater o pé e espernear, só vai nos fazer parecer uma criança mimada em alguma
das lojas do grande shopping da vida... que não tem “querer” algum, mas mesmo
assim queria. E assim, começa a entender que a vida nunca não se tratou de
fazer o que quer, mas o que pode. E assim se aprende a seguir pelos caminhos
que a vida escolheu para você, jurando de pé junto que está onde queria estar,
que nunca esteve mais feliz, que as coisas são como são e foi melhor assim.
Mesmo não sendo. Mesmo estando um grande inferno. Mesmo quando sua única
vontade é gritar um enorme “vai se f@der”
generalizado, mas por fora segue sorrindo educadamente, pois, já aprendeu que antes
mesmo de pensar em abrir a boca, a sua vida mãe já lhe ameaçou colocar de castigo
por ser mal agradecido e mal comportado. E de castigo é pior.
Eu pensei que esse dia nunca mais
ia chegar para mim. O dia que me sentaria sozinha olhando para essa tela gelada
e esses teclados empoeirados e escreveria. Não porque simplesmente quero. Mas
porque preciso. Porque preciso botar para fora todo esse amontoado de coisas
dentro de mim. Parece que com o tempo o espaço de armazenamento foi ficando
maior e eu só fui só enfiando mais coisas. Eu não fazia ideia do tamanho da
minha sacola, eu já nem sei o peso que ela tem. Mas sei que está se rasgando. Sabe,
um dia desses eu consegui fechar as janelas. Quase não vaza nada por lá. E
quando acontece é discreto. Por um descuido. Se confunde com embriaguez ou
qualquer coisa normal.
Mas a verdade é que meu corpo
está se rasgando por todos os lugares. Não é mais só os olhos que deixa escapar
detalhes. Meus braços e penas, meu tronco, meu rosto e cada pedaço da minha
pele está se rasgando. Eu não consigo mais deixar qualquer coisa entrar. Eu não
sei direito como deixar qualquer coisa sair. Eu estou remendando os buracos.
Mas todo dia um novo buraco aparece. Eu sou como uma puta bomba relógio faltando
poucos segundos para explodir. Presa em um corpo não muito grande, mas com um
poder de causar desastres assustadores.
Eu costumava saber quem eu era.
Eu costumava ter orgulho de mim.
Eu havia me acostumado a sentir muito.
E agora, as vezes eu me pego
torcendo para que qualquer pedaço desse meu tecido frágil, passe despercebido,
e se rasgue de uma vez, que deixe explodir o mundo dentro de mim e acabe com
tudo ou que me faça sangrar até morrer. Não porque eu desejo morrer. Mas porque
talvez assim, eu pudesse abandonar esse corpo, como uma lagarta deixa para trás
seu corpo antigo antes de virar borboleta. Não, eu também não acho que viraria
borboleta. Mas talvez, sem tanto peso nas costas, ficasse mais fácil seguir mesmo
estando bem próxima do chão. O medo me paralisou há um tempo. Eu vivo em um
corpo tão frágil. Não posso mais deixar que nada entre. Eu sei que as vezes
pareço egoísta. Mas, também sei que qualquer coisa a mais seria capaz de me
rasgar por inteiro.
Infelizmente, parece que perdi o
controle disso tudo. As pessoas transitam por aqui sem pedir muita licença. E
vão embora sem olhar para trás sempre que descobrem que aqui dentro eu não dou
festa todo dia como parece para quem só observa a fachada, desatento. Olhando
daqui de dentro, acho que me pareço mais com um velho rabugento com raiva da
vida por querer vive-la e viver com medo. A ele lhe deram muita vontade para um
corpo quebrado, um coração maior do que pode carregar e uma cabeça que se
expandiu mais do que a sanidade permite. Então, o pobre velho se limita a ficar
quieto e pensar muito antes de agir. E, quanto mais ele pensa, mais seus
membros ficam paralisados. E menos alguma coisa acontece.
Eu queria não ter conhecido muita
gente. Mas ainda assim, agradeço a todos por me mostrarem que não importa o
quanto eu tente segurar a onda. Eu sempre vou acabar em pedaços tão pequenos
que nunca vou conseguir consertar ou juntar tudo. Mesmo assim, eu busco um
jeito de seguir mesmo que tenham levado pedaços meus, porque no fundo eu sei
que a dor uma hora se transforma em poesia. Em um texto. Em um verso. Ou em mais
uma ressaca qualquer até que não faça mais diferença alguma.