Apenas sou |
Uma vez me perguntaram algo de
uma forma que até hoje eu não identificar se foi por admiração ou por ironia “tem alguma coisa que tu não sabes fazer?”.
Queria não ser desconfiada e acreditar completamente na pureza dessa pergunta, vendo-a
assim, um elogio. Seja como for, o fato é que não há nada que eu saiba fazer
bem feito. Não há nada que eu possa bater no peito e dizer “quero ver fazer
melhor que eu”. Nem se quer há nada que eu faça que faça alguém se lembrar de me
chamar para fazer. Sou sempre ordinária. Lembro-me da pergunta, outra vez. Não
havia entonação sagaz, embora não consiga entender de outra forma que não seja irônica.
Eu me desdobro em mil e faço mil e uma coisas, é verdade. Contudo, uso a
intuição, o carinho e a curiosidade como mérito, sempre fui assim. Sou amadora
nata – do grego, mais vontade que
perfeição.
Não sei se conseguirei ser
um ponto fora do gráfico, como assim já se referiram a mim, tendo em vista que
facilmente as pessoas se aproximam e se afastam de mim sem sentir falta – da mesma
forma que se aproximam de um livro bom que leem não entendem muito coisa e
largam de mão esquecendo-se ate de mencionar, em um café literário talvez, que
já o leu. Não sou lembrada nem esquecida. Apenas sou. Não sou nem boa nem má.
Apenas sou. Nem amada nem odiada. Apenas sou. O velho tanto faz. Já me
disseram que uma memoria curta é o segredo da felicidade, mas não seria esse um
modo egoísta de pensar? Eu não, eu gosto de me lembrar de tudo: gosto de
guardar as coisas boas e ruins, gosto de ter datas especiais marcadas em meu calendário,
gosto de guardar frases, risadas e lágrimas, gosto de guardar momentos, sonhos,
planos, conversas e encontros, gosto de guardar alguns silêncios, alguns
abraços, alguns beijos e alguns esquecimentos... Embora de todas as
coisas que faço com mediocridade, me lembrar ainda é o que menos sei fazer.
É por isso, exatamente por
isso que, mesmo sendo medíocre, escrevo. Escrevo por não haver espaço no HD interno.
Escrevo porque as palavras tornaram-se minhas memórias. Provavelmente meus
netos irão rir quando eu sentar na cadeira de balanço para lhes contar uma experiência
minha e, ao invés de fazê-lo naturalmente, carregar minhas próprias anotações que
lerei para eles como quem ler um livro. Pelo menos, não vou correr o risco de
cometer equívocos ou ter que inventar estórias de ultima hora para preencher as
lacunas da minha falha memoria. Pois, também não sei inventar. Escrevo apesar
de medíocre, pois ainda assim, escrevo melhor do que falo. E mais do que isso, escrevo
porque meus sentimentos só se tornam livres de mim quando escorrem no papel....
Sou instante... Passou.