"Nunca é alto o preço a pagar pelo privilegio de pertencer a si mesmo." Nietzsche

Nostalgia de um futuro a dois.

imagem da internet
 
Em uma tarde de domingo, dessas que não se tem nada pra fazer, aos setenta e mais uma porrada de anos, me levanto da cadeira de balanço o mais rápido que pude – ou no caso, o menos devagar que consegui – e vou arrastando os meus chinelos cor de rosa para perto da poltrona-do-papai onde você está assistindo o jogo do flamengo. Estendo a minha mão enrugada, trêmula, cheia de veias e manchas. E você, quando finalmente desviou o olhar da televisão e notou a minha presença, ergueu para junto da minha a sua mão igualmente enrugada, cheia de veias e a típica tremedeira. E disse - como fazia a mais de cinquenta anos atrás - “tão linda, minha mãozinha”. Por mais que eu duvidasse eu havia aprendido “a beleza está nos olhos de quem vê”.
Você me olhava sem entender muita coisa, como sempre. Enquanto isso, eu admirava os seus olhos-de-gato. Logo eu que nunca gostei muito de gatos, depois de conhecer você até quis ser uma, só para poder apreciar as sete vidas que eu teria ao seu lado. Você se levantou com os mesmos esforços que eu, beijou a minha testa tão enrugada quanto as nossas mãos e colocou o meu cabelo atrás da orelha. Depois de ficar olhando para o meu rosto enquanto eu tentava ajeitar os seus fios brancos e sem jeito, coloquei as minhas mãos no seu ombro e você colocou as suas na minha cintura - já sem tantas curvas, ou com curvas demais.
Arrastei os meus pés cansados de um lado para o outro e você ria com cara de “não acredito que depois de tantos anos você ainda queira dançar” e em seguida me perguntou “porque isso agora?” eu respondi “apesar dos anos terem passado de pressa, eu ainda sou a mesma menina por quem você se apaixonou. Apesar de sem paciência e insuportável na maioria das vezes, ainda gosto de mostrar - vez por outra - o quanto eu te amo. E essa foi a forma que eu encontrei dessa vez, já que escrever uma carta nessa idade, é quase impossível”. Você sorriu emocionado, me dizendo com esforço “eu também te amo”.
Você me acompanhou em passos igualmente cansados. Dançamos como em anos atrás, porém, alguns quilômetros por hora a menos dessa vez. E a dança se desfez quando, desajeitado, você acabou pisando em meu pé.


                                                                                 
É que dançar com a pessoa que eu sempre amei, naquele momento,  era tudo o que eu queria. Eu poderia continuar dançando contigo pelo resto da vida, sem nunca mais reclamar das dores nos pés, nos joelhos, nos braços, na cabeça... Sem nunca mais reclamar de nada. Eu estava feliz. Eu estava realizada. Eu que sempre pensei em como morreria, percebi naquele dia que morrer ao seu lado seria a forma mais linda e divina de morrer. Se eu partir primeiro, saberei esperar por você para que tenhamos uma vida eterna como o nosso amor.



10 comentários:

Michele disse...

Querida, que amor mais lindo! É bom demais quando nos sentimos completas, realizadas assim ao lado de alguém. É como se todo o resto do mundo fosse um mero detalhe! :)

Um beijo e bom finalzinho de Páscoa!

wanessa g. disse...

Que amor! Que texto mais lindo. rs.. Mesmo pisando no pé, nem sentimos quando estamos amando.
(;

Leonard M. Capibaribe disse...

Isso é a eternidade do sentimento, nada mais real e sincero do que o amor depois de tanto tempo passado. Perfeito!

Anônimo disse...

AMOR... semtimento sem explicação...é lindo..tão lindo...

Nara Sales disse...

Que amor! A gente vê que tem realidade nos amores que duram toda uma vida e que tem desejo para além dela.

Lê Fernands disse...

fiquei com os olhos marejados com "eu sou a mesma menina por quem vc se apaixonou"...



lindo, querida.

Thaís Alves disse...

Lindo, lindo, lindo... muito emocionante... é pra viver algo assim que se vive. Beijos!

Adonai disse...

Maravilhoso, o amor e sua eternidade!
Lindo.

Emi disse...

Nossa, que lindo. É bom ver que existem outras pessoas que acreditam num amor eterno assim.
Adorei a ternura do seu texto. *-*
Beijos!

A verdade nua e crua disse...

ai, domingo é foda, por isso que uso bem o meu domingo. Durmo o dia inteiro!